segunda-feira, 8 de junho de 2015

"Da resistência à força: a insurgência no conflito entre a Marinha do Brasil e o Quilombo do Rio dos Macacos"

Texto produzido para a avaliação final da disciplina de "Teorias Críticas do Direito e Assessoria Jurídica Popular", ministrado pelo professor da UFPR Ricardo Prestes Pazello






                                                                                                                Carlos Eduardo Lemos Chaves
Advogado popular na Bahia
Estudante da Turma de Especialização em Direitos Sociais do Campo - Residência Agrária (UFG)


“Da resistência à força” é o tema central do meu projeto de pesquisa apresentado no Programa de Pós-Graduação em Direitos Sociais do Campo – Residência Agrária, da Universidade Federal de Goiás. Merece destaque aqui por trazer um duplo sentido: seja o da resistência à força bruta empregada pela Marinha de Guerra do Brasil na gradativa tentativa de total desterritorialização da Comunidade Quilombola do Rio dos Macacos; seja o da trajetória da resistência, pura e simples,com o acúmulo de visibilidade e força política que a comunidade vem adquirindo ao longo dos anos de conflito.

Hoje pode-se considerar, inclusive, as vitórias alcançadas nesta trajetória de luta, se levarmos em conta os primeiros contatos dos quilombolas com as entidades de assessoria popular. Isto ocorreu em meados de 2011, quando era iminente a expulsão do seu território tradicional por decisão do juiz Evandro Reimão dos Reis, da 10ª Vara da Justiça Federal da Bahia.

A comunidade remanescente de quilombo já vinha resistindo às investidas das forças estatais desde meados dos anos 1950. Neste período, fazendas de antigas usinas de açúcar, que outrora se valiam da mão-de-obra escrava, em tempos coloniais, começaram a ser desapropriadas pela União e incorporadas ao patrimônio da Marinha. A Fazenda Macacos recebeu as paredes da barragem construída no rio que dá nome à Comunidade, quando doada pela Prefeitura de Salvador à Marinha pela Lei Municipal n. 492 de 5 de julho de 1954. Neste período ainda não havia sido criado o município de Simões Filho, que hoje abriga o quilombo.

Tal doação desconsiderou à época o registro da existência da comunidade naquele território, contido na própria escritura que a consigna. Teve início um processo violento de desterritorialização e exploração. No princípio fora com a construção da barragem, nos anos 1970, com o estabelecimento da Vila Naval construída para moradia de oficiais. Este processo culminou na expulsão de diversas famílias, na destruição de áreas de roças e terreiros de candomblé.

Estas práticas de desagregação socioeconômica e cultural perpetuam-se até hoje. Com tentativas de destruição de casas, proibição de construções, reformas e do cultivo de roças.Assim, impede-se o acesso a direitos básicos como água, saneamento, saúde, luz e educação. Esta realidade remete ao contexto histórico de “cercamento dos campos” descrito, por exemplo,pelos marxistas. Na medida em que aparentam um retorno às formas primevas de acumulação do capital. As estratégias de privação da comunidade dos meios de sobrevivência no território tradicional, com o argumento de supostos danos ambientais causados pelos quilombolas em áreas de uso para exercícios táticos pelos oficiais, ocorrem num contexto tido como mais amplo - de defesa da soberania nacional -, que culminaria inclusive com a proteção dos campos de petróleo do pré-sal contra ameaças estrangeiras (!).

Esta semelhança faz-se atual no momento em que forças militares buscam destruir a existência autônoma do quilombo. Trata-se de uma clara demonstração do cunho militarista que o atual governo tem fomentado no enfrentamento de conflitos socioambientais e manifestações políticas no país. Preferem atirar os quilombolas à “vala comum” das massas exploradas pelo capital, desprovidos do território que lhes garante seus caracteres tradicionais.

As recentes tentativas de intimidação das lideranças nos alerta ainda para um poder remanescente das forças armadas no país.Com instauração de inquéritos militares e prisões violentas e arbitrárias, com base no Código Penal Militar gerado no período ditatorial. É necessário discutir a legitimidade destas normas e conceitos face à sua incoerência perante a Constituição promulgada no contexto de redemocratização do estado brasileiro. A exemplo do que fizeram os juristas italianos precursores das teorias do direito alternativo nos anos 1960.

O Poder Judiciário vem, até então, incentivando essas práticas. Opta por uma condução questionável dos processos judiciais movidos pela Marinha contra os quilombolas. Com desrespeito aos princípios básicos do processo civil (acesso à justiça, ampla defesa) e uma interpretação restritiva e ideologicamente conservadora do direito. No sentido oposto da concepção marxista do direito adotada pela assessoria jurídica popular. Esta contraria as teorias clássicas, afasta-se da perspectiva lógico-racional que serve bem ao positivismo, para situá-lo enquanto fenômeno intrínseco às relações sociais.

É necessário despontar a crítica ao direito posto, uma vez em que se mostra permeado por uma ideologia dominante. Somente uma parcela privilegiada da população é capacitada para fazer a tradução à sociedade, a partir dos seus interesses próprios. Enquanto que para a camada não beneficiada economicamente o direito aparece na sua face excludente e repressora. De forma que é a força da insurgência desta comunidade negra rural que tem garantido a permanência na terra. Contra a opressão de viés racista das Forças Armadas e do Judiciário, fundada em resquícios coloniais. Como as sentenças proferidas desde agosto de 2012, que ferem o Direito Constitucional, determinando a expulsão dos quilombolas do seu território tradicional.

Isso leva a refletir sobre a atuação da assessoria popular, sobretudo no âmbito judicial.Se a luta pela permanência e titulação do território tem contribuído na esfera da formação e da articulação política. Mesmo que, até então, não tenha havido êxito no campo judicial. Com as estratégias do positivismo de combate (para fazer valer os direitos reconhecidos aos quilombolas) ou do uso alternativo do direito (sobrepondo os princípios inerentes à dignidade da pessoa humana aos argumentos que prezam pela soberania nacional).


Portanto, a compreensão da comunidade sobre os limites do direito posto tem permitido aos quilombolas traçar suas próprias estratégias de luta pela permanência no território.A arena da luta política se sobrepôs à disputa no campo do Judiciário.As ações concretas tem mais força que a atuação judicial, embora esta ainda continue. Assim, no enfrentamento às violações e negativa de direitos, as estratégias de insurgência extraídas da prática da assessoria/advocacia popular têm conseguido somar forças com o poder de resistência da comunidade.Para que a cada ato de repressão das forças institucionais a luta dos quilombolas avance na conquista das suas pautas, até o definitivo reconhecimento do seu direito ao território tradicional.

"O direito do campo no campo do direito. O processo de retomada dos territórios geraizeiros: estratégias, parcerias e entraves na busca pela efetivação e construção de (novos) direitos"



Texto produzido para a avaliação final da disciplina de "Teorias Críticas do Direito e Assessoria Jurídica Popular", ministrado pelo professor da UFPR Ricardo Prestes Pazello



Aldinei Sebastião Dias Leão
Advogado popular em Minas Gerais
estudante da Turma de Especialização em Direitos Sociais do Campo - Residência Agrária (UFG)


Atualmente, há um número crescente de conflitos socioambientais na microrregião do Alto Rio Pardo – extremo norte de Minas Gerais – causados pela reação das comunidades face à expropriação de suas chapadas. Isso se deu, sobretudo, com a notícia dos vencimentos dos contratos de arrendamento outrora (década de 1970) celebrados entre o Estado e Empresas, para uso daquelas terras para plantio de eucalipto.

Na medida em que as comunidades geraizeiras vão se organizando, sua luta vai ganhando visibilidade, o que leva à aquisição de diversos apoios. E por meio desses apoiadores, elas vão tomando conhecimento dos seus direitos e descobrindo diversas irregularidades. Surgem manifestações, ocupações, denúncias e demandas judiciais – ações de reintegração/manutenção de posse, ações populares e ações civis públicas.

À união dessas comunidades, que lutam pela proteção e/ou retomada de seus territórios na microrregião do Alto Rio Pardo, tem-se denominado “Movimento geraizeiro”. Trata-se de um processo de afirmação e construção de direitos, e de (re)afirmação da cultura e identidade geraizeira, como população tradicional do Cerrado, face à violência sofrida pela ação desrespeitosa, tanto do Estado, quanto das empresas e, mais recentemente, pelas cooperativas de agropecuária e silvicultura.

É preciso dizer que embora tenham emergido ao mundo jurídico por meio das lutas populares algumas inovações legais – a exemplo do decreto presidencial 6.040/2007, ou mesmo da Convenção 169/OIT, da qual o Brasil é signatário – os povos tradicionais ainda enfrentam várias dificuldades no ordenamento jurídico pátrio, sobretudo no que concerne ao reconhecimento dos seus territórios.

Na falta de uma resposta satisfatória no ordenamento jurídico, as diversas comunidades se socorrem de várias maneiras, na busca pela retomada de seus territórios. Na comunidade de Vereda Funda, por exemplo, a forma encontrada foi a da criação de um Assentamento Extrativista, enquanto na Água Boa e outras comunidades nos Municípios de Rio Pardo de Minas, Santo Antônio do Retiro e Montezuma, busca-se a criação de uma RDS – Reserva de Desenvolvimento Sustentável. A comunidade de Sobrado, por seu turno, juntamente com a rede sociotécnica de apoio ao Movimento geraizeiro, discute a criação de uma lei municipal de iniciativa popular que disporá sobre o reconhecimento das Comunidades Tradicionais Geraizeiras e a proteção dos seus Territórios e seus modos de vida. Outras comunidades, em diversos estágios de organização e luta, ainda buscam achar outras respostas.


Neste sentido, vale trazer à baila os ensinamentos do Roberto Lyra Filho que, na tentativa de conceituar o Direito – que não se confunde com a lei –, diz que aquele não é algo fixo, ou “uma resposta pronta e acabada”, mas, um “vir a ser”. Segundo ele a vertente jurídica é incompreensível e inexplicável fora do contexto das lutas de classes, o que ele denomina de “dialética social do direito”. O Movimento geraizeiro é, portanto, uma luta que perpassa pela efetivação de normas legais já existentes, ao passo que busca também forçar o surgimento de novos direitos.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

"Sinais do direito insurgente"




Texto produzido para a avaliação final da disciplina de "Teorias Críticas do Direito e Assessoria Jurídica Popular", ministrado pelo professor da UFPR Ricardo Prestes Pazello




Letícia Gondim Rodrigues
Advogada popular em Goiás
estudante da Turma de Especialização em Direitos Sociais do Campo - Residência Agrária (UFG)




# Miguel Pressburger foi um idealizador;
# O direito insurgente é usado por advogados e movimentos sociais na busca de um direito diferente do que está posto, é uma forma de resistência;
# A atuação no direito insurgente é dentro e fora da ordem, são as classes populares resistindo, contrariando e criando novas formas de executar o direito;
# Seria o direito insurgente o direito dos oprimidos;
# O direito insurgente não é apenas técnica jurídica, também se trabalha na vertente da assessoria pedagógica e da assessoria política;
# É dizer não à imposição das leis oficiais do Estado;
# O direito dos que buscam a verdadeira justiça;
# Direito insurgente: a luta faz a lei;
# O costume, que é reconhecido como possível e legítimo;
# Buscar o direito de todos;
# O advogado usa seu saber na construção do direito dos oprimidos;
# Novo direito, criado pela perseverança da população;

# Progresso jurídico.